"Nota prévia:
Quero aqui manifestar publicamente, quer a honra, quer a gratidão que senti, quando o Manuel Silveira me abordou incumbindo-me de comentar a corrida que teve lugar na passada quinta-feira na Praça de Toiros do Campo Pequeno. Reconhecendo que outros estariam em melhor posição de a comentar, pelo maior saber, colocarei, no entanto, o melhor de mim na tarefa de que fui incumbido. Vamos então à corrida.
A pretérita noite de 17 de Abril de 2008 marcou o início da temporada taurina na principal praça de toiros do país. Num cartel bem composto, actuaram os cavaleiros lusos Luís Rouxinol e João Moura Júnior e, da vizinha Espanha, veio essa figura emergente do toureio a cavalo hispano, o cavaleiro Pablo Hermoso de Mendonza.
Ladeado à direita e bem precedido pelo Grupo de Forcados Amadores da Santarém, entrou em ordem o Grupo de Forcados Amadores de Évora, seguido do grupo de Forcados Amadores de Vila franca de Xira. Ao contrário do que, quer os prospectos, quer os cartazes, indicavam, o GFAE actuou na ordem natural. Presumo que o erro haja sido meramente tipográfico.
Num curro de seis toiros da ganadaria de Romão Tenório, calharam-nos, assim, para a pega, o 2º e o 4º do lote, ambos lidados pelo cavaleiro vindo do país vizinho.
O 2º toiro da noite, após uma lide a cavalo bem conseguida por Pablo Hermoso de Mendonza, apresentava-se de investida franca, passando bem, deixando antever uma boa pega face ao forcado indicado para o pegar. De notável qualidade de entendimento dos toiros que lhe têm calhado em sorte, a par da raça que sobejamente lhe conhecemos, o Bernardo Patinhas teve, no entanto, um momento que não deverá esquecer, até pela craveira alta de forcado que tem. Daí a desilusão e crença de que esta foi definitivamente a excepção que confirmou uma regra assente: Aos bons forcados também lhe calham dias maus. Adiante.
Provocada a investida do toiro, com a praça respeitando o forcado com o silêncio que momento exigia, o Bernardo acusou os “apalpões” e as mazelas sofridas em terras mexicanas e a pega não se consumou. O toiro investiu franco e o Bernardo, ao contrário do que nos habituou não o pega e, nestes casos, já se sabe; toiros com peso e idade ainda que sem quererem fazer mal, empurram e “vão aprendendo” de tentativa para tentativa, defendendo-se e tornando cada vez mais difícil a consumação da pega.
Magoado, quiçá mais no brio do que no corpo, esquecendo a dor física, ainda assim, o Bernardo, apresentou-se por quatro vezes para tentar a pega. Mau grado não o fez e, recolhendo à teia, sucedem-se duas tentativas goradas de pega de cernelha. Abrem-se as portas dos curros e a valentia, o brio, o destemor físico, a par do amor à jaqueta e ao GFAE, fizeram o resto, impendido assim que o toiro regressasse a curros sem se ter consumado a pega.
Ao Bernardo Patinhas duas palavras: A minha total e inabdicável confiança em ti como forcado e a crença de que tiveste o Grupo sempre contigo.
Pelos que gostam e passaram pelo GFAE, o 2º da noite havia sido de choque e surpresa, pelo que o intervalo trouxe alguma mágoa que nem um scotch amenizou. O momento igualava a noite que fazia lá fora.
Vem o quarto da noite e o cabo chama o Gonçalo Pires “Árabe” para a pega. Num cite galhardo, a boa voz, impondo-se ao toiro e à praça, lá foi compondo aquilo a que o poeta Manolo Ruiz denominou como obra de arte plástica em movimento. Colhendo a atenção do toiro e o silêncio da praça, preparava-se para o “carregar”, quando o toiro lhe sai um pouco solto mas gaspeado, parecendo que a investida passaria mesmo ao lado do forcado. A voz forte na cara do toiro e o dobrar-se, compondo-se assim com ele, a par de um extraordinário crer materializado num par de braços fenomenais, permitiram uma pega de altíssimo nível.
Sujeitando-se a dois derrotes ásperos e deles se recompondo, o Árabe, leva o toiro para dentro do Grupo e as ajudas cumpriram bem o papel que o cabo lhes destinou. Enquanto o toiro ainda empurrava a praça levantou-se em aplausos. Falou o público e, o momento, ficará para sempre marcado na memória daqueles que o viram. Poder-se-ia, julgaram alguns, que a pega do Árabe condicionasse a crónica face ao que se tinha passado antes, tentando fazer esquecer o primeiro toiro do GFAE.
Pelo contrário, foi a frieza e o distanciamento dos dias que me permitiram relatar já sem emoção o que de facto vi no 4º toiro da noite. A excelência será o adjectivo menor para descrever a pega do Árabe e o mesmo se estende ao grupo que não se apoucou em momento algum.
Só, frente a esta máquina fria denominada “PC” e enquanto revia mentalmente as imagens da corrida, fui à minha mini garrafeira e destapei uma Eugénio de Almeida tinto, deixando-a arejar um pouco. Após ter escrito estas singelas mas sentidas palavras, enchi e ergui a minha taça, acompanhado em espírito por todos os que passaram pelo meu Grupo, gritando bem alto:
- Pelo Grupo de Évora: Venha Vinho, venha vinho, venha vinho!...Venha!"
Só, frente a esta máquina fria denominada “PC” e enquanto revia mentalmente as imagens da corrida, fui à minha mini garrafeira e destapei uma Eugénio de Almeida tinto, deixando-a arejar um pouco. Após ter escrito estas singelas mas sentidas palavras, enchi e ergui a minha taça, acompanhado em espírito por todos os que passaram pelo meu Grupo, gritando bem alto:
- Pelo Grupo de Évora: Venha Vinho, venha vinho, venha vinho!...Venha!"
Fernando Ramos - "Bambino"
Fotos: Francisco Romeiras - fonte: www.tauromania.pt